Foto: Mariana Carvalho
A Primeira Câmara do Tribunal de Contas da União (TCU) considerou “parcialmente procedente” – no mérito – representação da deputada estadual Priscila Krause (Cidadania) sobre a dispensa de licitação referente à aquisição de luvas de procedimento pela Secretaria de Saúde do Recife em março de 2020. A decisão ocorreu no dia sete de junho durante sessão plenária do colegiado e não incluiu responsabilização aos gestores e à empresa. A determinação do relator, ministro Weder de Oliveira, foi de arquivar o processo e remeter a análise de outras oito dispensas de licitação denunciadas por Priscila para o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco. Nesses casos, o TCU acolheu a justificativa da Prefeitura de que tais processos só envolveram recursos municipais ou estaduais. De acordo com a representação inicial de Priscila Krause, protocolada em maio de 2020 no TCU, a dispensa de licitação 15/2020 – referente à aquisição de 22,5 milhões de luvas de procedimento – ocorreu a partir de irregularidades como montagem do processo de licitação, contratação de quantidade superdimensionada e escolha de empresa de pequeno porte, sem condições de atender à solicitação. Segundo Priscila, a Prefeitura pagou pelas luvas R$ 6,3 milhões à empresa de pequeno porte Saúde Brasil Comércio de Materiais Médicos Eireli, que possuía apenas dois funcionários, antecipadamente ao recebimento dos itens. Houve também, segundo Priscila, falsificação de documentos para comprovar a regularidade do processo de dispensa de licitação. Na denúncia, Priscila afirmou que a empresa escolhida não tinha o material em estoque.
Análise da Secretaria de Controle Externo de Aquisições Logísticas (Selog) do TCU, que embasou a decisão do ministro relator, registra que a análise da Polícia Federal sobre a montagem do processo ainda não é conclusiva e que, portanto, não há como caracterizar a “montagem dolosa” do processo, embora esteja comprovado que as pesquisas de preços na internet, acostadas aos autos da Dispensas, só ocorreram um mês depois do pagamento dos empenhos. Quanto ao superdimensionamento, a Selog confirma que foi adquirida quantidade 317% superior ao utilizado nos seis meses para os quais foram adquiridas. Diante da justificativa dos gestores quanto à efetiva entrega do material e ao fato de que dez milhões de luvas do Recife terem sido repassados em junho de 2020 para o governo de Pernambuco, a auditoria entendeu que “não houve má fé” dos gestores. Sobre o pagamento antecipado, o TCU entendeu que se tratou de uma “falha do processo de contratação”.
Para Priscila Krause, o fato de o TCU não ter conhecido a representação em relação às demais dispensas de licitação denunciadas – 28, 74, 78, 83, 95, 101, 102, 104 –custeadas com recursos SUS impediu que ficasse evidente que a empresa Saúde Brasil também foi beneficiada em diversas outras contratações, todas seguindo o mesmo modus operandi criminoso. “Nós apresentamos duas vezes documentação ao TCU comprovando que essas mesmas irregularidades, incluindo também superfaturamento, ocorreram beneficiando esse mesmo grupo empresarial em outras compras emergenciais da Prefeitura para essa mesma empresa, que está sendo investigada pela Polícia Federal desde a Operação Antídoto”, registrou.
Segundo Priscila Krause, a empresa Saúde Brasil recebeu antecipadamente R$ 0,28 por luva. Após o recebimento, conseguiu comprar no mercado privado (empresa Supermax) cada luva por R$ 0,18, auferindo um lucro de R$ 2,25 milhões só nessa dispensa. A empresa, que desde criada em 2017 só registrou negociação no âmbito público com a própria Secretaria de Saúde do Recife (gestão Geraldo Julio), também comercializou via dispensa de licitações na pandemia diversos materiais como torneiras de três vias, seringas sem agulha, coletores de urina e tubos endotraqueais, por exemplo.
No TCE-PE, o relatório de auditoria especial sobre as luvas está concluído desde 30 de julho de 2020, mas ainda não foi levado a julgamento. Outras 47 auditorias sobre as compras da pandemia na gestão Geraldo Julio estão na mesma situação. Em relatório de 171 páginas, o a equipe técnica do órgão aponta oito achados de irregularidades, entre eles o de que a empresa “Saúde Brasil foi criada para tratar exclusivamente com a Secretaria de Saúde do Recife”, “ilegalidade do quadro societário” e “superdimensionamento dos quantitativos”, por exemplo. O relatório indica a responsabilização de dez gestores e da empresa, além da imputação de débito de R$ 3,42 milhões. As compras também estão sendo investigadas pela Procuradoria da República em Pernambuco.